Causas e o que precisa ser feito |
Depressão e Suicídio entre Juízes
Marise Jalowitzki
A pressão advinda da responsabilidade que o próprio cargo de juiz acarreta, torna esta classe bastante exposta ao adoecimento, tanto ocupacional quanto emocional, onde a depressão, as idéias suicidas e os próprios atos de suicidalidade são os aspectos mais preocupantes, pois incapacitadores e, por vezes, inexoravelmente trágicos. O site jus.brasil.com.br aborda os fatores que contribuem para a incapacitação (9.8.11), embora o quadro continua, e em nível crescente.
Em
uma rápida busca na web (5min), somente neste ano de 2019, dois suicídios e uma
tentativa com resgate bem sucedido, foram amplamente noticiados.
Com
o tabu que, infelizmente, ainda permeia o tema suicídio [e até mesmo a
depressão), sabemos quanto maior é este índice. O Brasil, particularmente,
omite muito, fala pouco e, na maioria das vezes, repete mensagens de prevenção
que pouco somam, tanto para quem se dispõe a ajudar, como a quem está
procurando por ajuda.
A
maior indicação continua sendo o CVV – Centro de Valorização da Vida,
importante iniciativa, sim, mas que é uma ligação de socorro, anônima, sem
nenhum vínculo. E, como declaram os voluntários que estão ‘do outro lado da
linha’: Quando a ligação acaba, nunca sabemos se o contato fez efeito positivo,
nunca sabemos o que aconteceu depois.
Juízes do Trabalho são mais acometidos
Uma
pesquisa promovida pela Associação Nacional dos Juízes do Trabalho – Anamatra,
sob coordenação da Professora Ada Assunção, do departamento de medicina da
UFMG, mostra que juízes do
trabalho sofrem mais de depressão e estão mais sujeitos a transtornos mentais
comuns do que o normal da população, além de apresentarem maior uso de
medicamentos para transtornos mentais comuns.
A pesquisa também apontou um dado
alarmante: parcela de juízes que
responderam a pesquisa foi afirmativo quanto à questão sobre se já haviam
pensado em acabar com a própria vida.
Ah! Mas eles ganham bem!
Ao se discutir sobre a saúde dos magistrados no Brasil, os comentários e ressalvas costumam apresentar as questões salariais e outras prerrogativas dos juízes, como se tais situações fossem intrinsecamente vinculadas, ratificando a crença de que doenças físicas e mentais advindas do desempenho no trabalho só poderiam ocorrer entre os trabalhadores que recebem salários mais baixos ou não tem estabilidade no emprego, por exemplo.
Felizmente,
com o aumento do diálogo sobre os temas depressão e suicídio, tais mitos tendem
a se desmanchar por completo, já que todos nós, sem exceção, somos candidatos.
“Quando
juízes alertam, através de dados científicos, para o problema da saúde no
trabalho da magistratura, de forma alguma pretendem dizer que outras categorias
profissionais não têm problemas semelhantes ou piores. Não é raro que se diga
que categorias submetidas a grande estresse não ganham tão bem quanto os juízes
e correm riscos profissionais diversos. É a saída mais fácil: compara-se com
situações tão difíceis quanto ou piores e
não se faz nada para melhorar nenhuma delas, em um conformismo social que
não permite o avanço da sociedade como um todo”, afirma o juiz Luciano de
Toledo Coelho.
“No
dia 04 de agosto de 2011, por volta das 10h45, a juíza do trabalho Lúcia
Teixeira da Costa, da 2ª Vara do Trabalho da capital, Recife-PE, suicidou-se,
atirando-se do 11º andar do prédio da Sudene, na Cidade Universitária, onde
funciona a Justiça Trabalhista. Lúcia trabalhava no edifício onde atualmente
funciona a Justiça do Trabalho. A ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho – lamentou a morte da juíza, solidarizando-se com a
família e amigos da magistrada. Segundo relatos dos advogados trabalhistas
pernambucanos a juíza era muito querida
dos trabalhistas, posto que dotada de alta sensibilidade social, zelosa,
cumpridora de seus deveres e amiga de todos, com quem se relacionava com
urbanidade, respeito, civilidade.”
Os preconceitos que impedem a melhoria
Tal situação contém confusões que podem levar a duas conclusões perigosas, mas que representam parte do senso comum acerca principalmente da depressão: a primeira, ao tratar como sinônimos a depressão e a tristeza. A depressão se relaciona aos baixos níveis de serotonina, substância necessária à atividade neuronal e a áreas do cérebro ligadas ao sentimento de bem estar. Trata-se de doença que tem forte componente químico e de predisposição genética, todavia, o desenvolvimento da doença e dos sintomas tem como causa fatores ambientais. A doença é de complexo diagnóstico e de tratamento que envolve inúmeras variáveis individuais.
Preconceitos
envolvendo os transtornos mentais, como associar depressão à falta de força de
vontade ou a mera tristeza por questões materiais e fatores unicamente
externos, podem comprometer a busca por um tratamento efetivo e levar, em casos
mais graves, ao suicídio. A pessoa tenta superar sozinha, "afinal, é preciso ser guerreiro(a)!...
"A
pesquisa da Anamatra mostra que, comparados a dados gerais do restante da
população, inclusive profissões com salários médios menores, juízes do trabalho
apresentam maior predisposição a transtornos mentais e foram mais
diagnosticados com depressão, ou seja, fica demonstrado que os salários dos
magistrados em nada alteram os índices de depressão na magistratura do
trabalho, ou seja, não existe ligação entre salário e depressão."
Juiz é um indivíduo ‘acima da média’?
Não
é diferente no caso dos magistrados. O risco dessa relação imposta e aceita (de
que depressão é ‘menos comum quanto maior o salário, ou quanto maior a estabilidade
do cargo’) pode ser perigoso. Um juiz, embora tenha em suas mãos a decisão do
futuro de tantas pessoas e situações, NÃO É um ser especial, nem suas
capacidades são ilimitadas. E é imprescindível, como com todos, que consiga
avaliar quando está se aproximando de seus limites de resiliência.
Principais causas
Magistrados
podem se sentir afetados emocionalmente com as causas julgadas por eles. São
humanos.
“Esse
relevante fato nem sempre é levado em conta quando se fala em gestão,
produtividade e qualidade da prestação jurisdicional. Juízes trabalham, sempre,
com alto grau de pressão mental (e o significante de ‘pressão’ não é mera
coincidência). Impossível quantificar-se em estatísticas de produtividade o
desgaste da tomada de decisão e seus efeitos, característica inerente à
profissão.
Independentemente
da inegável validade de estabelecimento de objetivos e técnicas de gestão e do
estímulo à celeridade processual e à conciliação, a questão posta parece ser a
de que existe um limite para se impor uma lógica de produção a uma atividade
que exige uma formação de convencimento fundada em inúmeros fatores e acesso a
inúmeros recursos mentais e emocionais, nem sempre instantâneos e à disposição
de todos os indivíduos.
- Natureza das situações - Tomadas de decisões diárias que influenciarão
decisivamente e diretamente na vida das pessoas, inclusive retirando-lhes bens
materiais, a realização de dezenas de audiências semanais, comuns na justiça do
trabalho, a busca da conciliação utilizando a persuasão junto às partes, a
argumentação diária em face de pessoas emocionalmente envolvidas diante da
demanda judicial que o magistrado irá decidir, as quais sempre buscam
fortemente defender seus interesses e atuar no convencimento do magistrado, são
fatores que causam forte estresse mental.
- Decisão célere - Sobre isso, acresça-se a busca pela decisão célere
e que represente a melhor justiça no primeiro grau, e, nos tribunais, a
realização de sessões com centenas de processos e necessidade de decisões,
muitas das quais tem forte impacto social e determinam situações que, mesmo
aparentemente de menor porte ou valor pecuniário, assumem extrema importância
do ponto de vista individual para o jurisdicionado.”
Estes
dois aspectos (natureza das situações e decisão célere), vinculados que são, “podem
afetar diretamente a percepção, a capacidade de análise e discernimento, o
raciocínio lógico e algumas capacidades cognitivas essenciais para um
profissional que tem como função principal a de analisar argumentos das partes,
documentos dos autos, e julgar e decidir de forma rápida e fundamentada”.
Some-se,
ainda, a eventualidade de ameaças dirigidas aos magistrados, especialmente
quando se trata de juízas. E os casos de herança genética.
Amar o que se faz não implica em deixar de cuidar de si
“A
pesquisa mostrou, ainda, que a maior parte dos magistrados do trabalho está
satisfeita com sua profissão: o dado, aparentemente paradoxal, é na verdade
coincidente e mostra o profissional que se dedica tanto à sua profissão e
preocupa-se com seus resultados, a ponto de adoecer e não cuidar de si mesmo.
Como o cardiologista que descuida do próprio coração, juízes desgastam-se
mentalmente para realizar a melhor prestação jurisdicional e não observam a
própria saúde física e mental.
Com
efeito, a pesquisa indica que os juízes do trabalho preocupam-se, fortemente,
com os efeitos e qualidade de sua decisão e a justiça no caso concreto. Não
raramente, durante e após a tomada de decisões diárias, as quais não se limitam
ao período trabalhado na vara ou tribunal, pois a maior parte dos juízes
informa que trabalha em casa e nos finais de semana, os efeitos do desgaste se
manifestam, seja por dificuldades no sono (apontada também na pesquisa) seja
pelos reflexos na qualidade de vida em geral, menor convivência com a família e
obesidade.
Um
juiz em depressão traz tantos riscos à sociedade quanto um médico ou um policial
sem condições psicológicas de exercerem seu trabalho.
Além
do sofrimento dele próprio.
Olha
o sofrimento deste juiz, Laércio
Lopes da Silva, com diagnóstico de depressão e
esquizofrenia, fica
pendurado na janela sem comer, ameaçando se suicidar. Felizmente, foi resgatado com vida. Caso aconteceu
em abril deste ano (2019), em Barueri-SP.
Não
foi o desfecho para Juiz Marco Aurélio Abrantes Rodrigues, que se
suicidou com tiro no Clube de Tiro Protect, em Belo Horizonte-MG, em agosto de
2018.
“Os
indícios de que Abrantes Rodrigues tenha cometido suicídio alertam as
associações representativas da magistratura. É preocupante a ocorrência de
episódios como este na classe. Neste momento de dor, a AMAERJ se solidariza com
parentes, amigos e colegas do magistrado.”
(links e mais detalhes ao final desta página)
O que pode e precisa ser revisto
Como
sabemos, a prevenção é sempre a mais necessária das providências.
Medidas
precisam ser tomadas:
1) Juízes devem passar por avaliações periódicas de saúde física e por avaliações de saúde mental
constantes, feitas por profissionais capacitados.
2) Como em todas as populações, a busca por assistência psicológica e a informações sobre formas de
identificação e tratamento de doenças mentais não pode continuar sendo um tabu
(sim, pois muitos ainda pensam que isto é só ‘coisa pra louco”)...
3) Estímulo à práticas
que previnam tais transtornos, que vão muito além do simples e perigoso uso
indiscriminado de medicamentos.
“É
preciso, portanto, para o avanço da sociedade e a real melhora da qualidade da
prestação jurisdicional, uma ótica que, além do louvável foco em resultados
numéricos, celeridade e gestão, focalize também a saúde mental e a qualidade de
vida dos magistrados, eis que, muitas vezes, por trás de estatísticas
extremamente positivas, o demônio do meio-dia pode estar à espreita.
(Este post leva como referência principal as declarações de Luciano Augusto de Toledo Coelho é juiz do Trabalho no TRT-PR, graduado em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Todas as citações entre aspas (" ") são de sua autoria.)
Serviram
de fonte:
- Depressão entre os Juízes - Texto de Mello publicado em 17.dezembro.2013
2019 - 12.janeiro
– Juiz Mauricio Caetano Lourenço – Teresópolis - https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/27489-nota-de-pesar-pelo-falecimento-do-juiz-do-trabalho-mauricio-caetano-lourenco
2019 – 27.abril –
Barueri – TENTATIVA de suicídio – Juiz Laércio Lopes da Silva (olha o
sofrimento deste senhor. Depressivo, esquizofrênico, fica pendurado na janela
sem comer, ameaçando se suicidar). http://webdiario.com.br/noticia/24542/bombeiros-resgatam-juiz-que-tentava-se-suicid2
2019 - 09.setembro – Teresina
– Juiz Fernando Luiz Mendes Cruz é
encontrado morto em piscina de sua casa. Polícia descarta homicídio. Até a
presente data não há o laudo divulgado - https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2019/09/09/juiz-da-7a-vara-criminal-e-encontrado-morto-em-sao-luis.ghtml
2018 – 19.agosto – Belo Horizonte - Juiz Marco Aurélio
Abrantes Rodrigues – suicídio com tiro no Clube de Tiro Protect - http://amaerj.org.br/noticias/amaerj/nota-de-pesar-pela-morte-de-juiz-do-tj-mg/
“Com
pesar, a AMAERJ comunica a morte do juiz Marco Aurélio Abrantes Rodrigues, do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). O falecimento aconteceu neste
sábado (18), em Belo Horizonte. Na ocasião, o magistrado visitava o Clube de
Tiro Protect.
Os indícios de que Abrantes Rodrigues tenha cometido suicídio
alertam as associações representativas da magistratura. É preocupante a
ocorrência de episódios como este na classe. Neste momento de dor, a AMAERJ se
solidariza com parentes, amigos e colegas do magistrado.
Marco Aurélio Abrantes
Rodrigues era juiz auxiliar na Comarca de Belo Horizonte, para onde fora
transferido em 2017. Antes, dirigira a Comarca de Caratinga, município na
região do Vale do Aço, sudeste de Minas Gerais.
Formado em Direito em 2002
pelo Centro Universitário de Sete Lagoas (MG), Abrantes Rodrigues tinha
especializações em Direito Tributário e Direito Processual Civil, ambas pela
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais.
O sepultamento aconteceu no
cemitério Parque da Colina, em Belo Horizonte.”
2011 – 04.agosto –
Recife - Juíza Lúcia Teixeira da
Costa Oliveira – Juíza do Trabalho, jogou-se do 11º andar do prédio em
que trabalhava - https://oglobo.globo.com/brasil/policia-investiga-morte-de-juiza-no-predio-da-justica-do-trabalho-em-recife-2706721
Link deste post: https://suicidionao-sempretemquemseimporta.blogspot.com/2019/10/depressao-e-suicidio-entre-juizes.html
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