segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Prevenção ao suicídio - Existe um guia?

 


"Não existe um "guia" por meio do qual basta seguir algumas regras e o suicídio será evitado. Mas essas explicações e informações podem ser o primeiro passo para lidar com a ideação suicida da melhor forma possível.

Não subestime seu amigo, parente ou companheiro que fala em se matar. Não importa se ele o faz em "tom de brincadeira", usando metáforas ou em uma situação aparentemente fora de contexto. Não se deixe levar pela ideia de que "ele nunca faria isso" porque você "o conhece bem". Tampouco se apoie no comportamento alheio para tirar conclusões como "ele está agindo de tal modo, alguém que se mata jamais faria isso".

Escute, converse, fique de olho, tente entender o que está se passando. Sem desespero ou decisões precipitadas. Tudo começa com pequenas atitudes. Já parou para pensar que uma única conversa, um único momento no qual a pessoa é realmente ouvida, pode mudar tudo e tirá-la do caminho que todos querem evitar?

E o mais importante: se for o caso, busque ajuda profissional. Só um especialista saberá avaliar a real situação e qual o tratamento adequado."

Para continuar lendo esta matéria, cliquehttps://www.uol.com.br/vivabem/especiais/conteudo-de-marca/libbs-suicidio-do-pensar-ao-agir.htm

Link desta publicação (excerto de matéria UOL-VivaBem)https://suicidionao-sempretemquemseimporta.blogspot.com/2020/09/prevencao-ao-suicidio-existe-um-guia.html

Querendo, leia também: 

A última noite de um amigo


Lidando com a impotência  (Foto: Arquivo Pessoal)


https://suicidionao-sempretemquemseimporta.blogspot.com/2020/01/a-ultima-noite-de-um-amigo-quando-se.html



terça-feira, 8 de setembro de 2020

Casa de repouso - O senhor de Cachoeira do Sul

 

 

Certa vez, em uma das empresas onde ministrei meus eventos de desenvolvimento humano (neste tópico, o Curso de Preparação para Aposentadoria), eu tinha a meu lado uma assistente social da empresa contratante, como coordenadora adjunta de meus trabalhos. E ela, determinado dia, me convidou a conhecer um asilo, uma casa de repouso, que aquela instituição ajudava, patrocinava parcialmente. 

Até hoje não ficou claro pra mim se o objetivo era eu conhecer o ambiente, as profissionais, os internos e, posteriormente, ela checar junto às profissionais qual o seu parecer sobre uma possível proposta de trabalhos, ali; quiçá, estabelecer algum tipo de diálogo com os residentes; quiçá um trabalho de fortalecimento emocional com os profissionais (o que já realizava em outras instituições). Ou se  ela, sabedora que minha mãe já estava bem mal, e que necessitaria de atendimentos bem mais complexos que os que se podem oferecer em uma casa (devido às debilidades físicas e psíquicas), se ela, talvez, quisesse me oferecer este espaço como sugestão, como ponto de referência para eu levar a mãe lá.

Mas, eu , no nosso retorno, logo teci minhas considerações sobre: achei o local muito distante, achei o local muito isolado, o que poderia deixar uma situação de emergência muito à deriva. Qualquer incidente que acontecesse com um dos residentes... O local era muito isolado, sem vizinhança, mas a casa era muito boa, a casa era bem confortável, tinha um pátio interno bastante amplo e ensolarado, onde os residentes podiam tomar sol; era um ambiente bem higienizado. Bem legal.

E aí, quando a assistente social e a enfermeira coordenadora do espaço me levaram a conhecer os diferentes quartos, em um deles, bem amplo, e bem sozinho, rente à parede, estava deitado um senhor, um senhor que era bem alto, magro, tinha as feições completamente normais, e era um homem bonito, sem aquele aspecto de velhice decrépita. 

E a enfermeira, antes de a gente chegar no quarto, informou: "Aqui nós vamos encontrar um homem, que está sempre deitado, a mais de meio ano. Ele se recusa a ir pro sol. A gente não obriga. Ele tá sempre deitado. Ele não profere uma palavra. Obedece a todos os comandos. Executa todos os procedimentos recomendados, mas não fala, não olha, não interage.Nunca falou conosco".

De cara pensei: Altamente depressivo... 

Mas, não sou médica, e são estes especialistas que emitem diagnósticos. Procurei ver se ao pé da cama estava o prontuário, mas não havia papel algum. Imediatamente, como é meu jeito, pensei: Tem uma alma viva, aí. Com forte carência de Vitamina D, entre outras. Seria bem bom se ele saísse, nem que seja por um instante, desta letargia e se comunicasse.

Perguntei pra enfermeira: E ele é de onde? (veio-me à mente fazer esta pergunta).

E ela: "É de Chachoeira do Sul".

Eu disse: Bah! Terra do meu pai! (e é mesmo. O pai era natural de Cachoeira do Sul). E é um homem bonito, como meu pai!

E a assistente social, a meu lado, logo: "Marise!" (senti o tom de susto e até meio repreensivo)

Eu continuei: Bah! Deve ter namorado um monte! (eu queria, conscientemente, que ele, pelo menos, tivesse umas lembranças boas pra lembrar depois que saíssemos)

E a assistente social me deu uma cotovelada, tipo: "Tá falando coisas que não deve falar!" e se apressaram em sair... 

Eis que o homem, sem se movimentar, sem pestanejar, disse: "Nem tanto!" Elas se olharam super surpresas, até assustadas, pela reação-resposta do homem. Elas já se posicionando para sair do quarto e deixar o homem novamente sozinho, eu ainda disse: Mas devia!

E elas, literalmente, me tiraram dali... rsrsrs...

Este episódio, de tempos em tempos, me vêm à mente, refletindo sobre... sei lá... uma incógnita... 

Questões se apresentando:

- sobre o valor de retirar a pessoa do ostracismo

- sobre retirá-la, pelo menos por um pouco, da inércia depressiva, fazendo-a lembrar de coisas boas que fazia quando estava mais energética

- também sobre o que possivelmente os profissionais especializados diriam que há um risco, sei lá, de a pessoa 'acordar' e querer alguma coisa com as enfermeiras... mas, o assédio pode acontecer em qualquer um, seja de paciente para profissional, seja de profissional para paciente... e, em tese, este é um tema que deve (ou deveria) ser amplamente comentado e estudado pelos profissionais da saúde

Não tenho nenhuma consideração a fazer, neste momento. Não tenho especialização em trato de quadros depressivos. 

Também, neste contexto de assédio e, talvez, de agressão, pelo menos no horário em que estive por lá, não vi nenhum profissional do sexo masculino (para poder defendê-las). Provavelmente tinha algum, mas não vi.

Também pensei do quanto se sabe que, nestes locais, o que mais se utilizam são os psicotrópicos, para inibir a libido, para retirar reações que se contrapõem ao instituído e requerido.

Mas fica este registro que, de tempos em tempos, me paira na memória, de como, dependendo do caso, é possível, sim, retirar as pessoas deste silêncio atroz, que mata mais que a doença. 

Exercitar o diálogo leve, sem julgamentos ou pretensões.



segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Nunca rompas o silêncio se não é para melhorá-lo




“Nunca rompas o silêncio se não é para melhorá-lo.” (Ludwig van Beethoven)

E isto faz sentido em todos os aspectos. Como se faz necessário entender isto com o coração!

Quantas vezes tantas pessoas se desgastam em pedidos de atenção e socorro inúteis! Verdade! Se você olhar com cuidado, vai ver que muitas pessoas do entorno não estão despertas, não estão conscientes do que estão fazendo e como estão agindo. 

Elas pensam fazer o seu melhor, ou, pelo menos, o seu razoável. E, de que adianta, então, tentar mostrar seu sofrimento, suas expectativas em relação a este relacionamento? Elas não vão entender.

OK, isto não minimiza a sua situação. Você continua carente, ansiando por mais presença e carinho.

E então? Tente, por favor, ocupar-se com algo que te faça bem. Pode ser ler, assistir exaustivamente tv, ver filmes (não muito tristes, pra não aumentar a deprê), interessar-se por alguma pesquisa (seja de extraterrestres, de plantas, animais, lugares exóticos). Tem de ocupar a mente! Vale fazer algum trabalho manual, mas só se exigir atenção focada (como contagem de números exatos, de pontos em tricô, crochê, bordado, bijouterias, etc.).

Há muitas coisas para se fazer além de esperar que o(s) outro(s) atendam às nossas expectativas.

E, mais que tudo, exercitar a GRATIDÃO!!! Exatamente! Os outros são para nós como eles podem ser! E, mesmo assim, do jeitinho que são (estão) são importantes e necessários como laços afetivos!

O que não vale é fechar-se em ressentimentos. Em menos valia. Em sofrimento.

Então, querido amigo, querida amiga, avalia se vale a pena tentar requerer atenção ou se é melhor aquietar sua alma e oferecer algo. 

Fazer algo, um agradinho, uma mensagem de apreço, uma referência alegre. 

Cave no seu coração. 

Vai encontrar Luz. 

Inverta o amargor de um rosto com os lábios em "U reverso" e torne-o em um sorriso.


Luz atrai luz. Tome sol. Tome vitamina D. Auxilie-se.

Viver vale a pena! É uma experiência única. Pelo menos, desenvolva o valor e o prazer da pesquisa, seja o campo que escolher.

A curiosidade é que mantêm e revitaliza a Vida.


Fotos: Meu Arquivo Pessoal

Enquanto escrevo ouço (mais uma vez) esta pérola de Beethoven: https://www.youtube.com/watch?v=VFeRTANr_sw


Em 2020 comemoram-se os 250 anos de seu nascimento

Beethoven jovem - Imagem Bethoven - wikiwand - wikipedia

Beethoven(1770 - 1827) perdeu a audição progressivamente ao longo de três décadas (entre os 20 e os 50 anos). Como não nasceu surdo, ele tinha memória auditiva suficiente para compor em sua mente. Caiu em profunda depressão e continuou compondo e executando obras lindas"

Só sinto que ele errou quando rejeitou sua namorada-noiva, à medida que sentia a surdez avançar. Quis libertá-la do que acreditava ser uma prisão. Ele se sentia muito humilhado quando estava em sociedade, por isso permaneceu recluso cada vez mais, compondo sempre, preenchendo a vida solitária. 

Não quis expô-la a isso.

Ela nunca mais se enamorou de ninguém. Talvez tivessem vivido bem, mesmo sem ele escutar.

Ele preferiu dedicar-se aos sons que construía na mente, onde podia expressar-se na plenitude.

 "O resumo de sua obra é a liberdade", observou o crítico alemão Paul Bekker (1882-1937), "a liberdade política, a liberdade artística do indivíduo, sua liberdade de escolha, de credo e a liberdade individual em todos os aspectos da vida". (Wikiwand

Viva aos que fazem! Viva aos que tentam!


Pesquisas e referências:





Et Maintenant



Foto Arquivo pessoal



Hoje pela manhã acordei com esta canção na mente. Foi uma das canções que mais ouvia, mesmo sem saber o significado. Tinha 9 anos. Minha irmã mais velha também gostava muito.
A voz, o toque ao fundo, era (e é) tudo tão bonito e marcante. Atualmente, após todas estas décadas, constato que, também esta letra fez (e faz) sentido para muitos. Que lástima que o sofrimento existe. Deveria ser tudo bem mais bonito e alegre!

Imortal. Morreu aos 74 anos, em 2001. Valiosa contribuição neste mundo tão controverso.

Apesar de ser uma canção, digo a todos que se deixam tocar por ela: Resista. Viver vale a pena, por mais desconexa que possa parecer. Seja como o biólogo, que pesquisa só pelo prazer de descobrir!


GILBERT BÉCAUD - ET MAINTENANT 1962


 

https://www.youtube.com/watch?v=hmSBAJdie7E


Letra traduzida:

E agora o que farei? Depois de todo esse tempo, o que será da minha vida? Todas as pessoas são indiferentes para mim Agora que você se foi Todas aquelas noites por esse motivo E esta manhã que vem para nada Este coração bate por esse motivo Quem bate muito forte, muito forte E agora o que farei? Para nada deslizará minha vida Você me deixou a terra inteira Mas a terra sem você é pequena vocês, meus amigos, são gentis Vocês sabem que não podem fazer nada Mesmo Paris morre de tédio Todas as ruas estão me matando E agora o que farei? Eu vou rir para nunca chorar Eu vou queimar noites inteiras De manhä te odiarei E então uma noite em meu espelho Eu vou ver bem o fim do caminho Sem uma flor, e nem lágrimas No momento da despedida Eu realmente não tenho mais nada para fazer Eu realmente näo tenho mais nada."


Repito: Apesar de ser uma canção, digo a todos que se deixam tocar por ela: Resista. Viver vale a pena, por mais desconexa que possa parecer. Seja como o biólogo, que pesquisa só pelo prazer de descobrir!






sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A última noite de um amigo


Lidando com a impotência  (Foto: Arquivo Pessoal)




Marise Jalowitzki

Mundo hipócrita que não quer falar dos fatos do jeito que são, sendo que cada cidadão enche sua cabeça com o que quiser, com este monte de filmes horríveis que estão sempre disponibilizados em qualquer canal. E geralmente tudo tão assustador e exacerbado - "Ah! Mas daí é ficção!". 

Hipocrisia! Como se não soubessem o quanto os filmes, as séries, as reportagens, as novelas influenciam as massas e são responsáveis por tantos fatos de igual teor que acontecem sempre, em todas as áreas. Pro Bem, como pro sofrimento. 

Mas, falar de fatos reais, de situações que realmente envolvem o sentimento e a problemática das relações humanas, o não saber fazer, e... Sabe-se lá o que é o certo, né? - isto considero libertador, esclarecedor, e, de quebra, pode ajudar a muitos.

Então, quero abordar isso hoje, nesta época sazonal de final do primeiro mês do ano.


Lembranças que chegam sem aviso

Quero dizer que, em pleno movimento de me aprontar para sair, agora de tarde, me vieram lembranças que a gente não sabe porque chegam assim sem aviso. Eu tenho anos de psicodrama, então, podem, sim, ser coisas do processamento cerebral, da gente mesmo; pode ser também ondas advindas da pessoa que já se foi, a energia prânica, dela, que veio se manifestar... sei lá, acho que nunca, nós, que estamos aqui, saberemos direito, nem poderemos afirmar cem por cem, o que é que acontece."

Mas, agora de tarde, nesta sexta-feira bem quente, recebi esta...esta solução, digamos assim: “Não, não tava na tua mão nada que pudesse frear o que estava por vir, tu foi sim, pró-ativa, tu te disponibilizou... e tu não conseguiu! Ponto. Como ele também não conseguiu".
Então, quero só dizer que... que é isso...! Né? Cada um faz aquilo que pode.
Este não é uma ponderação sobre ações e, sim, uma reflexão de aceitação.


Uma época de sombras

Estávamos nos meses finais do pós ditadura, o país se preparando para as Diretas, Já! - todos embalados por um sentimento de libertação, os brados ardorosos do Ulisses Guimarães. 

Eu chefiava uma seção de informação para faturamento, em uma empresa de economia mixta onde trabalhava. Havia muitos erros no preenchimento dos formulários, o que demandava mais tempo para processar (manualmente, com o auxílio de uma máquina contabilizadora). Também sabia que o clima organizacional daqueles trabalhadores era bem ruim, com punições e suspensões seguidas. Com humilhações públicas que eu mesma presenciara, sem que ninguém tomasse uma providência junto à gerência que, mais tarde, tive a certeza que era conivente com os maus tratos.

Resolvi que, pelo bem de meus funcinários e também por aqueles que trabalhavam na operacional, algo tinha de ser feito. Peguei a pasta com os documentos de normatização e instruções de preenchimento, levei o assunto para meu gestor direto e pedi autorização para, após o meu expediente, comparecer na área deles, no horário de intervalo deles, e lermos juntos os documentos básicos, tirando todas as dúvidas possíveis. Ele concordou e eu fui.

Foi assim que começou a minha trajetória, digamos, 'popular' entre a área operacional daquele grande centro de coleta e distribuição. Claro que a notícia logo se espalhou. E quando irrompeu um movimento nos centros de distribuição do centro e nos setores de telecomunicações (também no centro da capital), logo me instigaram a participar do movimento, representando-os. Primeiramente não quis ir, mas, depois, senti que este momento tinha de ser enfrentado e vivido.

Em outro post talvez me decida a abrir um tanto deste episódio tão significativo em minha vida, onde entrei 'meio no susto' e que foi uma experiência muito forte. 

Bem, só posso dizer que vivemos momentos muito densos, muito tensos naqueles meses. Todo o ambiente estava coagido, mil olhos, muita censura, muitas ameaças e insinuações. De todos os tipos.

Naquela noite, sem nenhum aviso, eu sozinha em casa (por sorte havia levado minha filha para dormir na casa da avó), apertou o interfone um amigo nem tão próximo, que eu conhecera só pelas reuniões e encontros. Vou chamá-lo aqui de Vinicius. Queria falar comigo. Disse que era importante.

Eu me preocupei um tanto em deixá-lo entrar. Uma, por eu estar sozinha, ser noite. Outra, pelo que os vizinhos iriam dizer... Sim, eu recebi umas duas vezes um grupo de colegas do movimento paredista para estudarmos ações, mas era um grupo. Todos entraram e saíram ao mesmo tempo.


As pressões no trabalho


Decidi que o deixaria entrar. Vinícius estava calmo, uma 'calmeza' quase apática, pensei que estivesse meio drogado. Sentou no sofá, eu em frente a ele, começou a falar das pressões que estava recebendo de seu chefe imediato, que todos sabíamos ser um ditador, um humilhador, um arrogante feroz (que vontade de escrever seu nome completo aqui!).

Eu escutava e intervinha, também, pedindo, o tempo todo, que ele mantivesse a calma e persistisse. Apontou para a sandália que estava usando, mostrando as várias e grandes bolhas que tinha nos pés. E que queria ter ido ao médico e o chefe não deixou, obrigando-o a usar o vulcabrás pesado que fazia parte do uniforme. Ele não conseguia andar tão rápido, pela dor das bolhas que estouravam e esfregavam, aumentando ainda mais as feridas. Havia recebido ameaça de demissão caso não conseguisse "deixar o serviço em dia". 

Pedi novamente que tivesse calma. Que, quando a turbulência era por demais, talvez fosse um sinal para ele sair deste emprego, ele, que era um rapaz muito bonito, boa compleição física, sorriso aberto, bom, poderia candidatar-se a modelo. Tantas outras coisas.


A traição da noiva


Ele ouvia, sorriso meio bobo, desesperançado. Quando resolveu falar de novo, apareceu a dor mais atroz: sua noiva havia desfeito o noivado, assim, sem mais nem menos, dizendo-se apaixonada por um conhecido de ambos, morador da janela em frente, no prédio vizinho ao que ele morava. E, pior: na noite anterior, ao chegar em casa, a janela do vizinho-ex-amigo estava escancarada e ele (vizinho) e a ex-noiva estavam fazendo sexo "às ganha!" (expressão nossa, da época, e que significa "furiosamente"). Ele disse que não queria mais voltar pra casa. Que não sabia o que estava sentindo ao certo. Que não tinha mais rumo.

Falei tanto, aconselhei o melhor que pude, oferece chazinho, coloquei minha mão em seu ombro. Tentei reforçar sua auto estima, comentei de meus momentos cruciais já vividos e do quanto, depois de um tempo, aquilo tudo se dissolve, ou, pelo menos, diminui de intensidade. Sugeri que não fosse ao trabalho no outro dia, que fosse ao médico, que avaliasse a possibilidade de sair do emprego. Dar um tempo. Talvez ir morar com a mãe por uns meses, ou na casa de alguém conhecido. Até melhorar.

Foi quando me disse que havia uma arma em sua mochila.
Eu tentei dissimular o mais que pude, pois aquilo mostrava o descontrole emocional em que ele estava. Temi por ele, temi por mim, pensei em minha filha, no quanto estava exposta. Sozinha. Em segundos chamei meu Anjo-da-Guarda (ou o nome que se quiser dar quando se invoca uma Força Extra) e procurei manter a calma.

Comentei o quanto ele deveria repensar sobre isto. Que agora ele estava sofrendo muito, e com toda a razão, pois o mundo estava ruindo e ele dentro, mas que era nestes momentos que a gente tem de manter a cabeça fria. Que ela não merecia, pelo que fez a ele, que agora ele tentasse revidar com violência pois, sim, poderia dar cabo da moça e do novo companheiro, mas - ponderei - "e a tua vida? Também vai estar destroçada, pois, ao invés de um futuro promissor, cadeia!" 


A última noite de um amigo


"Um novo amor sempre se encontra", ponderei. Um novo emprego, nas tuas condições, também! É uma idade de muitas possibilidades, usa a cabeça, meu amigo!" 

Ele estava titubeante. Continuava desorientado. Já estava ficando tarde. Pensei em convidá-lo para dormir em minha casa. Receei que ele tentasse sexo comigo, ou me apontasse a arma no meio da madrugada (que já estava adiantada). 

Não convidei para ficar. 

Ficamos em silêncio por um tempo.

Ele se levantou, devagarinho, silencioso. Pegou sua mochila, colocou em um dos ombros e foi se dirigindo à porta. Tenho de confessar que, internamente, eu estava meio aliviada. Pensei que havia conseguido dissuadi-lo a não matar a ex, nem o novo companheiro dela. 

Ele foi indo pelo longo corredor, devagar. Apertei sua mão, dei uma abraço. Pedi que mantivesse a calma. Que iria vê-lo no seu local de trabalho no outro dia pela manhã, apesar da proibição que eu havia recebido de 'não pisar mais lá'. Que ele era meu amigo. E que era importante tê-lo como amigo. 

Ele foi descendo as escadas, eu fiquei em cima, olhando. Ele parou, me olhou longamente, eu disse ainda: "Por mais que um amor, hoje, seja importante, há um outro esperando pra te conhecer. Por amor não se morre."

Desejei Felicidades e disse: "Até amanhã!" Ele só continuou com aquele sorrisinho bobo, desolado, triste. Entrei em minha casa. Agradeci à Força Divina por eu estar a salvo, por minha filha continuar a ter mãe, rezei muito, muito, por ele, para que tivesse Luz, para que sossegasse seu coração tão ferido.

No outro dia, mal cheguei à minha sala, veio um colega dele e avisou: "O Vinicius se matou! Um tiro na orelha!"

Chorei muito.

Sensação de impotência geral.



Seguindo em frente


Ainda hoje me machuca bastante todo este episódio. E tantos outros, vividos nesta minha longa vida. Queria que as coisas fossem diferentes. Mais amenas. Mais saudáveis. Mais alegres.

Este querido amigo não conseguiu ultrapassar os momentos difíceis daqueles tempos. Sim, poderia haver outros mais lá na frente (pois assim é a vida!), mas haveria tantos momentos felizes, também!!

Se estivesse ainda aqui, seria um homem já maduro (ele tinha creio que uns 5 anos a menos que eu, era seu primeiro emprego). 

E talvez, se ainda mantivéssemos contato, poderíamos sorrir, lembrando, e erguer um brinde à persistência dele, à resiliência, tão necessária, para enfrentar desafios e lutas, mesmo quando parece tudo terminar na próxima esquina. 

Não termina. E pode mudar pra melhor.

Fica a lembrança doída, pois sempre tem alguém que se importa.

Fica a tentativa de que mais pessoas façam o seu possível para ajudar o outro. Ainda que não consigam. Algumas vezes dá certo. E é assim, de tentativa em tentativa, que se vai conseguindo.

Fica a certeza de que viver vale a pena, que não se deve desistir, que o peso de hoje fica mais leve amanhã, que a auto estima p-r-e-c-i-s-a  ser aumentada e validada todos os dias.

Fica a certeza que sempre há quem nos ama! Sempre!


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 Marise Jalowitzki é educadora, escritora, blogueira e colunista. Palestrante Internacional, certificada pelo IFTDO - Institute of Federations of Training and Development, com sede na Virginia-USA. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Criou e coordenou cursos de Formação de Facilitadores - níveis fundamental e master. Coordenou oficinas em congressos, eventos de desenvolvimento humano em instituições nacionais e internacionais, escolas, empresas, grupos de apoio, instituições hospitalares e religiosas por mais de duas décadas Autora de diversos livros, todos voltados ao desenvolvimento humano.